sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

poema VIII



Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.



Alberto Caeiro (O guardador de rebanhos)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


Acredito que chegas à ausência desta praia
  para despertar o mar.

Amadeu Baptista

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

um manto de ternura

Dizer-te, meu amigo,
que, à uma da manhã
e desta noite,
está lindo o nevoeiro

que um manto de sossego
assim inteiro
eu desejava dar-te
- e ter comigo.

Enviava-te um frasco,
se pudesse,
fechado em carta azul,

ou por fax de sol
(não fora o medo que o sol o desfizesse)

Assim, mando daqui
esta espessura
de cheiro muito branco
e muito belo:

um manto de ternura
dobado num novelo,
que chegue
até aí.

Ana Luisa Amaral

domingo, 18 de dezembro de 2011

de regressos...


Mergulho as mãos na areia
(o tempo é uma gota de água)

As palavras escorregam nos meus dedos
(o tempo é um castelo de memórias)

sabem a sal, já reparaste?

sábado, 17 de dezembro de 2011

cesária évora - saudade

...estás num intervalo de tempo....

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

o amor é feito de mar

"...O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossiveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca da combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e da areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente."

José Luis Peixoto

domingo, 11 de dezembro de 2011

terça-feira, 29 de novembro de 2011

livro quarto

De ti digo sílabas
e pétalas. De ti
digo a rosa da noite
por abrir.

Albano Martins

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SãoAsPessoasComoTu

São as Pessoas como Tu São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas importantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pequenas. São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.

As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas. Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo. Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha. São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem inspirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita
.
São as pessoas como tu que não nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça, do sofrimento e do amor.

São as pessoas como tu que, interrogando-nos, se interrogam, e encontram a resposta para todas as perguntas nos nossos olhos e no nosso coração. As pessoas que por toda a parte deixam uma flor para que ela possa levar beleza e ternura a outras mãos.

Essas pessoas que estão sempre ao nosso lado para nos ensinar em todos os momentos, ou em qualquer momento, a não sentir o medo, a reparar num gesto, a escutar um violino.

São as pessoas como tu que ajudam a transformar o mundo.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 22 de outubro de 2011

é isso aí




merci...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vem aí a Primavera
 disse-me hoje a tua boca
depois do mais que me dera
o que vem é coisa pouca

Olha o Verão que já não tarda
disse-me à tarde o teu peito
por mais frutos que ele traga
não há nenhum tão perfeito

Ouço os passos do Outono
dizem-me à noite os teus braços
o que mais ambiciono
é ouvir só os teus passos

O Inverno há-de chegar
diz-me sempre a tua mão
quanto mais a mão esfriar
mais calor no coração

E dia a dia, por nós
passam as quatro estações
têm sempre a tua voz
eu respondo-lhes depois

David Mourão-Ferreira

domingo, 16 de outubro de 2011


Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

oUtuBroEmlisbOa

Sigo enfeitiçada pelas ruas da cidade

Ainda é verão e já não é. Desprevenidos pelo calor os corpos despem-se os sorrisos aparecem os beijos soltam-se. Queria hoje ser capaz de pintar as cores os cheiros os passos que entardecem junto ao rio. Fecho os olhos. Pergunta-me um pássaro. De que lado sopra o vento? Do lado do coração.

Enfeitiçada sigo…

quarta-feira, 12 de outubro de 2011



Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres.
Se elas voltarem é porque as conquistei.
Se não voltarem é porque nunca as possuí.

(frase atribuida a John Lennon)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


praia grande, 5 de Outubro

Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?

Eugénio de Andrade

terça-feira, 4 de outubro de 2011



[poemas desenhados na pele...]

Estar contigo ao acordar, ver como
se abrem as tuas pálpebras, cortinas
corridas sobre o sonho, sacudir dos
teus lábios o silêncio da noite para
que um primeiro riso me traga o dia:

assim, amor, reconheço a vida que
entra contigo pela casa, escancara
janelas e portas, deixa ouvir os pássaros
e o vento fresco da manhã, até que voltas
para junto de mim, e tudo recomeça.

Nuno Júdice – do livro: Por Dentro do Fruto a Chuva

sábado, 1 de outubro de 2011

oração da mãe menininha



quando a ternura é a única regra...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

oUtOnO



Quero apenas cinco coisas...

Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.

Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda

domingo, 25 de setembro de 2011



À minha volta vejo a plenitude pura da luz
sem peso
dar a cada coisa a evidência de ser

Tudo está por dizer à minha frente à minha volta.
Será necessário dizer?
Nada exige que eu diga
o que vejo e respiro
e me inunda
mas sinto a espera de tudo
numa sintonia branca
para que sobre a página
incida
o peso de cada coisa
iluminada

António Ramos Rosa

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

para kawayama




Madrigal dos 50 anos

Com as mesmas palavras do passado,
Digo que te desejo, Vida!
E como um namorado
Que desmede a paixão, já desmedida,
Prometo
Ser-te fiel sem esperança.
Fiel à consciente
Temeridade
De amar intensamente
Sem mocidade…

Miguel Torga

pAraBénsAmIgoMeu

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

desperta-me de noite



Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito

É rede a tua lingua
Em sua teia
É vicio as palavras
Com que falas

A trégua
A entrega
O disfarce

E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo

E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vais descobrindo vales.

Maria Tereza Horta

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Hoje não trago nada que dizer.
Sossega o teu rosto no meu peito
Repousa em mim a tua tristeza
Ouve os segredos que te não digo
E a canção de forte esperança
Que germina e rompe devagarinho
Por todos os caminhos da vida.

Na pureza desta tarde,
Ao lusco fusco,
Abre comigo os olhos para os belos horizontes.

Tomás Jorge (poeta angolano)


terça-feira, 13 de setembro de 2011

viajar países

Copenhagen reconhece os meus passos tantos anos se passaram. Às vezes penso que não escolho os caminhos. Estão por aí espalhados e quietos. À espera que eu me perca neles. E são tantas as vezes que eu me perco…









segunda-feira, 5 de setembro de 2011

bêjo di sodade



Pá bô levá mar, pá mar leval'nha terra

quinta-feira, 1 de setembro de 2011



Dá a quem tu amas:
asas para voar,
raízes para voltar
e motivos para ficar.


Dalai Lama


Dorme meu menino a estrela d'alva/ Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada/ Outra que eu souber será p'ra ti

terça-feira, 30 de agosto de 2011

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

José Luís Peixoto

sábado, 27 de agosto de 2011

telepatia



Telepatia/ Silêncio calma
Feitiçaria/Da tua alma

Passo a passo/Sem ter medo
Abrimos, soltámos/O nosso segredo

E a sorrir/ Devorámos o mundo
Num abraço/ Tão profundo

Telepatia/ Sem contratempo
Deixei-te um dia/ Num desalento
E eu sonhava/ Existia
Pra sempre pra sempre/Foi pura poesia

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

o lugar da casa



Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia

Eugénio de Andrade

terça-feira, 23 de agosto de 2011

o haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vinicius de Moraes, 1962


imagem:Jerry Uelsmann


domingo, 21 de agosto de 2011

Vide Gal



Rio, rio, rio
Rio pra não chorar
Pra quem não sabe sou rio
A cantar

Sou do Flamengo
Sou ali em Botafogo
Sou da casquinha do ovo
E essas flores
Na Rocinha vou plantar
Quem olha minha barraca
No morro de Santa Marta
Quer morar

Se tenho fome
Como logo o Pão de Açúcar
Urro no topo da Urca
Se quero abraço
Tenho o Cristo pra abraçar
Tamborim pra ti tarol
Escolados pelo sol
Rio e morro de amar

Rio, rio, rio
Rio pra não chorar
Pra quem não sabe sou Rio
A cantar

(gracias, Luisa)

Caxambu é o tambor cerimonial maior ou principal utilizado na manifestação cultural afro-brasileira denominada Jongo (a qual inclusive empresta o nome em algumas regiões). Seu nome talvez seja uma transliteração de Tchinguvo (Ka-Tchinguvo), grande tambor tradicional, incumbido da transmissão de mensagens a longa distancia, utilizado pelo povo Kimbundo da República de Angola
(Origem: Wikipédia)

sábado, 20 de agosto de 2011

menina dos olhos d'água



Menina em teu peito sinto o Tejo
e vontades marinheiras de aproar
menina em teus lábios sinto fontes
de água doce que corre sem parar

menina em teus olhos vejo espelhos
e em teus cabelos nuvens de encantar
e em teu corpo inteiro sinto o feno
rijo e tenro que nem sei explicar

se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar

aprendi nos "Esteiros" com Soeiro
aprendi na "Fanga" com Redol
tenho no rio grande o mundo inteiro
e sinto o mundo inteiro no teu colo

aprendi a amar a madrugada
que desponta em mim quando sorris
és um rio cheio de água levada
e dás rumo à fragata que escolhi

se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar...
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

as palavras

o preço de uma pessoa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.

Almada Negreiros em “A invenção do dia claro”

terça-feira, 16 de agosto de 2011

quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão…Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo…e tudo errou…
– Ai a dor de ser–quase, dor sem fim… -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol – vejo-as serradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol – eu fora brasa,
Um pouco mais de azul – eu fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Mário de Sá-Carneiro in Dispersão

[porque este poema me foi recordado por dois amigos quase simultaneamente e porque tenho amigos a quem não falta um golpe de asa]

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ce qui ne peut être dit
ce qui ne peut être donné dans les mots
ce qui ne peut trouver lieu dans notre langue

a son mouvement dans le mouvement de l’écriture

Là où rien ne peut être retenu
là commence la musique
de ce qu’on ne peut dire

Jean-Louis Giovannoni







sexta-feira, 12 de agosto de 2011

el espejismo

Ciudad de las Artes y las Ciencias, Valencia

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Canções que se ouvem, rápidas a passarem. Rimas feitas e desfeitas, o que não sai da pele, o que fica no céu azul, o que cola à pele, o que fica gravado como um sinal de quem se encontra no meio dos sonhos.

Às vezes espera-se a madrugada, que a noite passe; de outras espera-se o fim dos caminhos, à espera da noite. É tão de repente que se vêem as coisas perfeitas.

Francisco José Viegas in “A Noite o Que É?”



Mértola 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Um motorista somaliano faz anos e cumpre o seu circuito habitual sem suspeitar que a carris lá do sítio lhe prepara uma surpresa com a cumplicidade dos passageiros habituais, que manifestam assim a estima que lhe têm.
Passa-se na Dinamarca e este é também o nosso mundo….


terça-feira, 9 de agosto de 2011

ó noite


imagem de CelineM

Ó noite, flor acesa, quem te colhe?
Sou eu que em ti me deixo anoitecer,
Ou o gesto preciso que te escolhe
Na flor dum outro ser?

Sophia Mello Breyner

domingo, 7 de agosto de 2011


levada das 25 fontes, Madeira

Ela queria construir a estrela da sua integridade sobre
o dorso do tempo. Repousava na embriaguez da sua
espera, respirava o frémito de um silêncio amoroso.
No limiar da dança, comtemplava os minúsculos
astros da sua morada nua. Caminhava abraçando o
espaço e modelando no ar a sua identidade de água
errante. Ela construía o reconhecimento de uma
aparição que fosse a evidência do seu olhar aberto e
livre.

António Ramos Rosa in “o que não pode ser dito”

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

eu pescador


Tamandaré

Eu pescador que pesco por um instinto antigo
e procuro não sei se o peixe se o desconhecido
e lanço e recolho a linha e tantas vezes digo
sem o saber o nome proibido.

Eu que de cana em punho escrevo o inesperado
e leio na corrente o poema de Heraclito
ou talvez o segredo irrevelado
que nunca em nenhum livro será escrito.

Eu pescador que tantas vezes faço
a mim mesmo a pergunta de Elsenor
e quais águas que passam sei que passo
sem saber a resposta. Eu pescador.

Ou pecador que junto ao mar me purifico
lançando e recolhendo a linha e olhando alerta
o infinito e o finito e tantas vezes fico
como o último homem na praia deserta.

Eu pescador de cana e de caneta
que busco o peixe o verso o número revelador
e tantas vezes sou o último do planeta
de pé a perguntar. Eu pescador.

Eu pecador que nunca me confesso
senão pescando o que se vê e não se vê
e mais que peixe quero aquele verso
que me responda ao quando ao quem ao quê.

Eu pescador que trago em mim as tábuas
da lua e das marés e o último rumor
de um nome que alguém escreve sobre as águas
e nunca se repete. Eu pescador.

Manuel Alegre, Oitavo Poema do Pescador in "Senhora das Tempestades"

terça-feira, 2 de agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011



Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas — podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia — e essa é a verdade — cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti. E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

Daniel Faria

sexta-feira, 22 de julho de 2011

a Roda da Fortuna

Um fim de tarde. Uma sala semeada de almofadas de mil cores. Lá fora o vento assobia canções de que ninguém sabe a letra…

Sentados no chão de pernas cruzadas, atento é o olhar e a cabeça inclina-se para melhor ouvir a narração dos segredos. Deixamo-nos ir, embalados pelas palavras da Juliana, a terra gira e por um momento, um instante o vento acalma o seu murmúrio e entramos num tempo bem guardado no fundo de nós.

Esta foi a aula última antes das férias. A Roda da Fortuna.

Cada um de nós sabe institivamente que existe um “pote de ouro” no fim do seu próprio arco-iris. Para alcancá-lo estamos dispostos a atravessar as tempestades da vida, rumo à terra prometida. Às vezes perdemos a direcção, erramos o caminho mas num nível mais profundo está preservada a essência pura do ideal. O caminho para a Alegria. Todos somos iguais. Todos somos diferentes. E por isso os ideais são numerosos e diferentes. E por isso todos possuem o espaço e as escolhas, que à sua maneira única, conduzem a esse caminho. Ao sincero desejo da Alma. A harmonia interna permite-nos conhecer as metas e ideais que nos trarão felicidade – o “pote de ouro”.

Na linguagem astrológica, esse pote de ouro é conhecido como a Roda da Fortuna. É através da expressão desse ponto que nos sentimos mais à vontade e percebemos o nosso próprio lugar na vida. A Roda da Fortuna é também o ponto através do qual nos sentimos enraizados no centro de nosso próprio ser.

Há um lugar no mapa de cada um onde não existe fragmentação, onde a integração é total. Onde a natureza Solar, Lunar e do Ascendente estão em perfeita harmonia.


A Roda, Lote ou Parte da Fortuna na astrologia clássica descreve a forma básica na qual o indivíduo é fisicamente conectado com o mundo circundante. Ptolomeu descreveu o seu cálculo: Asc+Lua-Sol (para os nascidos de dia) e Asc+Sol-Lua (para os nascidos de noite).

Roda da Fortuna. A integração do que sou, do que sinto do que expresso. Em perfeita harmonia. Os ideais. O caminho.

Olho para o meu mapa. Tenho a parte da Fortuna a 4º de Peixes na 4ª casa. E sem saber porquê sinto que o meu tempo é estar aqui - água e asa.

sem palavras

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista.
Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar.

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

terça-feira, 19 de julho de 2011

a fúria e a tristeza





Num reino encantado onde os homens nunca podem chegar, ou talvez onde os homens transitem eternamente sem se darem conta...

Num reino mágico onde as coisas não tangíveis se tornam concretas...

Era uma vez...

Um tanque maravilhoso.

Era uma lagoa de água cristalina e pura onde nadavam peixes de todas as cores existentes e onde todas as tonalidades de verde se refletiam permanentemente...
Aproximaram-se daquele tanque mágico e transparente a tristeza e a fúria para se banharem em mútua companhia.
As duas tiraram os vestidos e, nuas, entraram no tanque.
A fúria, que tinha pressa (como sempre acontece com a fúria), pressionada pela urgência – sem saber porquê – banhou-se rapidamente e, ainda mais rapidamente saiu da água...
Mas a fúria é cega ou, pelo menos, não distingue claramente a realidade. Por isso, nua e apressada, pôs, ao sair, o primeiro vestido que encontrou....

E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza...
E assim, vestida de tristeza, a fúria foi-se embora.

Muito indolente, muito serena, disposta como sempre a ficar no lugar onde estava, a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa – ou melhor dito, sem consciência da passagem do tempo – com preguiça e lentamente, saiu do tanque.
Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já lá não estava.
Como todos sabemos, se há uma coisa que não agrada à tristeza é ficar nua. Por isso vestiu a única roupa que havia junto do tanque: o vestido da fúria.

Contam que, desde então, muitas vezes nos encontramos com a fúria, cega, cruel, terrível e agastada. Mas se nos dermos tempo para olhar melhor, apercebemo-nos de que esta fúria que estamos a ver não passa de um disfarce e, por detrás do disfarce da fúria, na realidade, está escondida a tristeza.

Jorge Bucay in "Contos para Pensar"

de mimo de magia de máscaras



“Cada rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem”

Wilhelm Reich

segunda-feira, 18 de julho de 2011




Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

Joaquim Pessoa

quarta-feira, 6 de julho de 2011



O mundo está cheio de coisas mágicas que pacientemente esperam que a nossa percepção fique mais aguçada.

Bertrand Russel

domingo, 3 de julho de 2011

a tempestade do destino



Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu.Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, megulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.

(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa.Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa.

Só assim as tempestades fazem sentido.

Haruki Murakami, in " Kafka à Beira-Mar"

sábado, 2 de julho de 2011

as mãos

[gosto das mãos porque além de saberem de esculturas e barros servem para tocar outras mãos]

se os dedos forem as asas da mão
se a expressão dos dedos
inexplicar o gesto da mão

se o gesto for obra esculpida
sob o suor salgado
dos dedos
e esses dedos
forem asas de outra mão
eu posso ficar preso
num poema
de curto esvoaçar
mas a mão
os dedos e os gestos

hão-de sempre
saber
voar.

Ondjaki


sexta-feira, 1 de julho de 2011

pequenas coisas



Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

Albano Martins

quarta-feira, 29 de junho de 2011

júpiter


Nos primórdios da Humanidade, o homem percebeu a necessidade de se juntar com outros para melhor sobreviver (Vénus). Ainda assim, os impulsos individualistas criavam conflitos no grupo (Marte) e por isso, surgiram outras formas de se canalizar esta energia primitiva mais instintiva. Esta canalização deu-se através de um princípio de prazer e de expansão da consciência, em detrimento do lado instintivo, e permitiu ao homem a construção de valores sociais, valores que buscam o significado maior e incentivam o indivíduo a identificar-se com o colectivo.

Júpiter tem uma função similar a Vénus, no sentido de que Vénus representa o agrupamento com outros indivíduos e Júpiter também, só que o faz numa escala muito maior, introduzindo a noção arquetípica de sociedade. Daí, Júpiter ser considerado o primeiro planeta social.
Júpiter representa o princípio religioso, assim, como os princípios sociais que foram incorporados no inconsciente do homem – Júpiter representa a moral, a lei, os valores, o conhecimento, a busca de significados e o conceito de Deus.

No desenvolvimento humano, Júpiter representa o início da introdução dos conceitos de certo e errado que são transmitidos à criança de forma positiva, intuitiva e natural. A transmissão de valores também se inicia nesta fase e terá o seu ápice no processo representado por Saturno. Além de valores, Júpiter representa o início do processo de deixar para trás o lado impulsivo, animal, instintivo, ampliando portanto, o controle consciente sobre o seu comportamento, sua atitude e suas ambições.
É uma fase de narcisismo primário, bastante positiva, onde a criança sente o impulso de ultrapassar as suas fronteiras, descobrir o novo e o prazer de se expandir. As condições do ambiente também favorecem e incentivam esta expansão, que durará até a formação do superego, princípio saturnino.

O arquétipo Jupiteriano é um princípio benéfico – na astrologia tradicional é conhecido como o “grande benéfico” – é um princípio significador e canalizador dos factores planetários anteriores, além de ser o primeiro planeta “social”, Júpiter representa um princípio socializador, diferente de Vénus, muito mais aprimorado. É a essência de toda filosofia, sendo a ele atribuídas as noções de justiça, honestidade, bondade, generosidade e piedade.

Júpiter é o primeiro arquétipo representador da espiritualidade no Homem. A palavra Religião tem suas origens no verbo religare, ou religar. Júpiter revela a ânsia por unidade, por religação, com o Todo, com Deus, ou com o Universo. Representa a busca pela verdade, pelo sentido da vida, pelo porquê das coisas, pela Lei maior. Júpiter representa a busca de uma ordem maior e com mais significado, para além do caos aparente da vida. Representa a Fé em todas as suas formas, desde o “crer com consciência” até o fundamentalismo, o dogmatismo e o fanatismo religioso. Representa a percepção de uma inteligência maior, maior que a do homem, que possibilita resignificar qualquer experiência.

Júpiter além de ser um arquétipo de unidade, ou busca de unidade, é também um arquétipo de Lei e Ordem.
Este planeta representa a intuição e compreensão de uma lei maior, uma lei eterna e imutável, um princípio que está dentro do homem e o permite conhecer a ética e o funcionamento desta lei na matéria. Como a lei eterna se manifesta num local e num tempo específicos. Como esta verdade absoluta é relativizada numa cultura específica, num período específico, na tentativa de libertar o homem do caos, dando significado para toda a desordem e directrizes para a construção de um sistema de valores e leis humanos.

Júpiter também é um princípio de expansão e crescimento. Revela o desejo de se expandir material, intelectual e espiritualmente. É o ultrapassar as fronteiras do conhecido, ir além dos horizontes, seja através do aumento dos conhecimentos através do estudos superiores, seja através de viagens longas e conhecimento de outras culturas, seja através do aumento da compreensão dos porquês da vida, seja através do conhecimento de outras filosofias, outras religiões, e outros sistemas de leis.
No sistema solar, Júpiter é o maior de todos os planetas. O facto de ser gigantesco emprestou a Júpiter os significados de expansivo, abundante, grandioso, exagerado, que ultrapassa os limites (sem limites), efusivo, empolgado, optimista, esbanjador, desperdiçador, presunçoso, convencido (ego inflado). O facto de estar depois de Marte também representa um planeta que está além do Ego instintivo e auto centrado, daí ser considerado também o primeiro planeta social.


Glifo

A meia-lua sobre a cruz (+).
A meia-lua de Júpiter representa a intuição de princípios superiores (que astrologicamente são representados pelos planetas transpessoais). Se prolongarmos a espiral da meia-lua veremos que ela sobe e se expande. A cruz, representando a terra e a linha do horizonte, mostra que a intuição vem de cima da matéria (+).
Este Glifo confirma a ideia de intuição de princípios e ordem superiores representados pelo impulso espiritual e religioso.
Também pode representar a intuição ou compreensão do significado de eventos e experiências mundanos (+), e a resignificação destes num nível superior.

Associação à Alquimia

Júpiter na alquimia está associado à um processo chamado “Multiplicatio”. Quando as partes da obra estão ainda separadas, pode ocorrer uma das partes evoluir chegando ao estado de albedo (purificação). A “Multiplicatio” representa um processo que ocorre quando uma parte da obra que está purificada contamina positivamente as outras partes que ainda não estão, desencadeando o mesmo processo.
Psicologicamente, representa o efeito contagiante que um alquimista mais consciente tem sobre outras pessoas. Este efeito estimula positivamente, inspira o outro a querer evoluir também. Este princípio expansivo é visto como muito positivo e fundamental para a obra alquímica bem como para o alquimista, que se torna ainda mais ciente de si quando se vê como um ser actuante dentro do todo, do grupo ou da humanidade.

Associação à Mitologia

Este planeta na mitologia é Zeus para os Gregos e Júpiter para os Romanos. Zeus é o Deus dos Deuses. É o maior, mais importante e mais poderoso dos deuses.
Astrologicamente, Zeus pode representar o arquétipo do sábio e do guru. Júpiter é o mestre que intui a verdade e a ordem superior e a transmite. É o professor altruísta que quer expandir o conhecimento para fora de si, quer ensinar e transmitir os valores, os ideais superiores, a ética e os princípios. Júpiter é a vontade de aprender e depois de ensinar.
Júpiter também representa benefícios, “protecção de Zeus”, sorte, fortuna, alegria, facilidade, entusiasmo, jovialidade e prazer.

A ligação de Júpiter com a Astrologia

Além de Urano, a astrologia também está associada com o planeta Júpiter. Desta associação também podemos confirmar e inferir alguns significados de Júpiter.

A astrologia é um estudo que requer uma compreensão superior daquele que a estuda, está baseada em princípios, leis e verdades universais. É um estudo que procura compreender todas as dimensões e áreas da vida, na tentativa de significar as experiências, encontrar relações e conexão com uma ordem superior, ou religação com o universo (como é em cima é em baixo). A astrologia além da sua função de percepção de verdades maiores, também objectiva conhecer as potencialidades individuais e as formas de concretização destas potencialidades, isto é, como o indivíduo pode crescer, expandir-se e tornar-se o máximo de si próprio. Evidencia tanto as diferenças individuais no homem quanto percebe a sua universalidade. Consegue encontrar relações para a natureza, o comportamento humano individual e o desenvolvimento social como um todo. É uma linguagem codificada, simbólica, estruturada e universal. É um sistema holista e aberto, que permite constantes inclusões e aperfeiçoamentos teóricos e práticos, sem a necessidade de contradição dos princípios anteriores.

Júpiter rege o signo de Sagitário e a casa IX, está exaltado em Caranguejo e é co-regente de Peixes.

das aulas da Juliana Estevez

domingo, 26 de junho de 2011

soneto



Lábios
que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho:

que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?

É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,
que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.

Nuno Judice

terça-feira, 21 de junho de 2011

o dia mais longo do ano

o sol o calor o cheiro doce dos jacarandás as tílias em flor na rua os risos soltam os cabelos enovelados pela brisa suave que corre pela minha cidade

do café da esquina chegam os acordes de um tango… um canto um encanto um desejo

e a vida constrói e desenha novas linhas na palma das mãos



domingo, 19 de junho de 2011

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.

O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.

Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.

Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago

José Saramago

O Amor não Tem nada que Ver com a Idade

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como factor de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.

José Saramago, Outubro 1990

sábado, 18 de junho de 2011



Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa

Sophia Mello Breyner

terça-feira, 14 de junho de 2011

olhar e ouvir



quando olhei esta mulher
não sei que sinapses
troxeram esta música até mim



segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa - heterónimos


Fernando Pessoa é o poeta dos heterónimos. Quase é irónico dizer que Pessoa se despessoaliza em inúmeros heterónimos e semi-heterónimos dando forma e vida às vozes que habitam dentro de si. Sempre vi Pessoa como um génio. Sempre senti Pessoa dentro de um abismo. E a heteronimia a réstia de salvação.


Interessante a génese das personalidades mais conhecidas - Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos - descrita numa carta a Adolfo Casais Monteiro (13 Jan. 1935) – “foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.”



Para cada um destes homens,Fernando Pessoa, inventou uma biografia, um horóscopo ( não nos esqueçamos que Fernando Pessoa tinha muitos conhecimentos de astrologia a ponto de ser referido pelo mago inglês Aleister Crowley como “o maior astrólogo do mundo”), um retrato físico e desenhou as suas diferentes características intelectuais e ideológicas.

Alberto Caeiro “o Mestre” louro, de pele muito branca, olhos azuis de criança que não têm medo, nasceu em Lisboa, viveu no Ribatejo e morreu cedo. O mais simples de todos, a sua vida foram os seus poemas. É o poeta das sensações. E do objectivismo absoluto.
….

“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...”

(Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII" 13-3-1914)

….

“Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”

(Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos” 7-11-1915)



Ricardo Reis nasceu no Porto, frequentou um colégio de jesuitas, é médico embora não exercesse e viveu parte da sua vida no Brasil. É o heterónimo que mais se aproxima de Pessoa quer no aspecto físico - magro, moreno, encurvado – quer na maneira de pensar. Simples na concepção da vida e sereno na aceitação das coisa Ricardo Reis procura no epicurismo e nos poetas latinos a sua forma de expressão.
….

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada coisa a Lua toda
Brilha, porque alta vive”

(“Odes” de Ricardo Reis, 14-2-1933)



Álvaro de Campos é engenheiro. Torna-se discípulo de Caeiro mas afasta-se da sua doutrina ao aproximar-se dos movimentos modernistas. Nele encontramos a ânsia de sentir tudo e todas as maneiras. Nele encontramos a desilusão e o cansaço.
….

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Álvaro de Campos,”Tabacaria”, 15-1-1928 )


Quer se ame ou odeie, admire ou abomine, exalte ou critique é impossível ficar indiferente a este homem que um dia escreveu “ não sei se sou feliz, nem se desejo sê-lo”

mais sobre Pessoa AQUI

autopsicografia



O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

terça-feira, 7 de junho de 2011

isso que tem?

Numa noite já de despedida do Rio conheci na Avenida de Copacabana uma mulher nova que vendia rendas do Ceará e outras coisas bonitas. Eu estava acompanhada por alguém que, meio a brincar, me apresentou como escritora. E ela disse, logo expansiva e divertida:

“Eu também sou escritora. Escrevo pensamentos, coisas que tenho na idéia sobre José do Egito e a princesa Elisa. Havemos de voltar a falar”.

– Vou-me embora amanhã – disse eu.

– Isso que tem? Nem a viagem ao céu é só de ida.

Agustina Bessa-Luís (2004)

sábado, 4 de junho de 2011



1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorriste - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

...Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...

Pablo Neruda