sexta-feira, 22 de julho de 2011

a Roda da Fortuna

Um fim de tarde. Uma sala semeada de almofadas de mil cores. Lá fora o vento assobia canções de que ninguém sabe a letra…

Sentados no chão de pernas cruzadas, atento é o olhar e a cabeça inclina-se para melhor ouvir a narração dos segredos. Deixamo-nos ir, embalados pelas palavras da Juliana, a terra gira e por um momento, um instante o vento acalma o seu murmúrio e entramos num tempo bem guardado no fundo de nós.

Esta foi a aula última antes das férias. A Roda da Fortuna.

Cada um de nós sabe institivamente que existe um “pote de ouro” no fim do seu próprio arco-iris. Para alcancá-lo estamos dispostos a atravessar as tempestades da vida, rumo à terra prometida. Às vezes perdemos a direcção, erramos o caminho mas num nível mais profundo está preservada a essência pura do ideal. O caminho para a Alegria. Todos somos iguais. Todos somos diferentes. E por isso os ideais são numerosos e diferentes. E por isso todos possuem o espaço e as escolhas, que à sua maneira única, conduzem a esse caminho. Ao sincero desejo da Alma. A harmonia interna permite-nos conhecer as metas e ideais que nos trarão felicidade – o “pote de ouro”.

Na linguagem astrológica, esse pote de ouro é conhecido como a Roda da Fortuna. É através da expressão desse ponto que nos sentimos mais à vontade e percebemos o nosso próprio lugar na vida. A Roda da Fortuna é também o ponto através do qual nos sentimos enraizados no centro de nosso próprio ser.

Há um lugar no mapa de cada um onde não existe fragmentação, onde a integração é total. Onde a natureza Solar, Lunar e do Ascendente estão em perfeita harmonia.


A Roda, Lote ou Parte da Fortuna na astrologia clássica descreve a forma básica na qual o indivíduo é fisicamente conectado com o mundo circundante. Ptolomeu descreveu o seu cálculo: Asc+Lua-Sol (para os nascidos de dia) e Asc+Sol-Lua (para os nascidos de noite).

Roda da Fortuna. A integração do que sou, do que sinto do que expresso. Em perfeita harmonia. Os ideais. O caminho.

Olho para o meu mapa. Tenho a parte da Fortuna a 4º de Peixes na 4ª casa. E sem saber porquê sinto que o meu tempo é estar aqui - água e asa.

sem palavras

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista.
Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar.

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

terça-feira, 19 de julho de 2011

a fúria e a tristeza





Num reino encantado onde os homens nunca podem chegar, ou talvez onde os homens transitem eternamente sem se darem conta...

Num reino mágico onde as coisas não tangíveis se tornam concretas...

Era uma vez...

Um tanque maravilhoso.

Era uma lagoa de água cristalina e pura onde nadavam peixes de todas as cores existentes e onde todas as tonalidades de verde se refletiam permanentemente...
Aproximaram-se daquele tanque mágico e transparente a tristeza e a fúria para se banharem em mútua companhia.
As duas tiraram os vestidos e, nuas, entraram no tanque.
A fúria, que tinha pressa (como sempre acontece com a fúria), pressionada pela urgência – sem saber porquê – banhou-se rapidamente e, ainda mais rapidamente saiu da água...
Mas a fúria é cega ou, pelo menos, não distingue claramente a realidade. Por isso, nua e apressada, pôs, ao sair, o primeiro vestido que encontrou....

E aconteceu que aquele vestido não era o dela, mas o da tristeza...
E assim, vestida de tristeza, a fúria foi-se embora.

Muito indolente, muito serena, disposta como sempre a ficar no lugar onde estava, a tristeza terminou o seu banho e, sem pressa – ou melhor dito, sem consciência da passagem do tempo – com preguiça e lentamente, saiu do tanque.
Na margem, deu-se conta de que a sua roupa já lá não estava.
Como todos sabemos, se há uma coisa que não agrada à tristeza é ficar nua. Por isso vestiu a única roupa que havia junto do tanque: o vestido da fúria.

Contam que, desde então, muitas vezes nos encontramos com a fúria, cega, cruel, terrível e agastada. Mas se nos dermos tempo para olhar melhor, apercebemo-nos de que esta fúria que estamos a ver não passa de um disfarce e, por detrás do disfarce da fúria, na realidade, está escondida a tristeza.

Jorge Bucay in "Contos para Pensar"

de mimo de magia de máscaras



“Cada rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem”

Wilhelm Reich

segunda-feira, 18 de julho de 2011




Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

Joaquim Pessoa

quarta-feira, 6 de julho de 2011



O mundo está cheio de coisas mágicas que pacientemente esperam que a nossa percepção fique mais aguçada.

Bertrand Russel

domingo, 3 de julho de 2011

a tempestade do destino



Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu.Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, megulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.

(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa.Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa.

Só assim as tempestades fazem sentido.

Haruki Murakami, in " Kafka à Beira-Mar"

sábado, 2 de julho de 2011

as mãos

[gosto das mãos porque além de saberem de esculturas e barros servem para tocar outras mãos]

se os dedos forem as asas da mão
se a expressão dos dedos
inexplicar o gesto da mão

se o gesto for obra esculpida
sob o suor salgado
dos dedos
e esses dedos
forem asas de outra mão
eu posso ficar preso
num poema
de curto esvoaçar
mas a mão
os dedos e os gestos

hão-de sempre
saber
voar.

Ondjaki


sexta-feira, 1 de julho de 2011

pequenas coisas



Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

Albano Martins