domingo, 19 de junho de 2011

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.

O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.

Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.

Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago

4 comentários:

  1. En honor a un gran ser humano y en honor tuyo:

    Há na memória um rio onde navegam
    Os barcos da infância, em arcadas
    De ramos inquietos que despregam
    Sobre as águas as folhas recurvadas.

    Há um bater de remos compassado
    No silêncio da lisa madrugada,
    Ondas brancas se afastam para o lado
    Com o rumor da seda amarrotada.

    Há um nascer do sol no sítio exacto,
    À hora que mais conta duma vida,
    Um acordar dos olhos e do tacto,
    Um ansiar de sede inextinguida.

    Há um retrato de água e de quebranto
    Que do fundo rompeu desta memória,
    E tudo quanto é rio abre no canto
    Que conta do retrato a velha história.

    José Saramago

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  2. porque há seres que nunca morrem...

    que bela escolha Fernando :)

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  3. já leste alguma coisa de Saramago? Na língua natal?

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