segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa - heterónimos


Fernando Pessoa é o poeta dos heterónimos. Quase é irónico dizer que Pessoa se despessoaliza em inúmeros heterónimos e semi-heterónimos dando forma e vida às vozes que habitam dentro de si. Sempre vi Pessoa como um génio. Sempre senti Pessoa dentro de um abismo. E a heteronimia a réstia de salvação.


Interessante a génese das personalidades mais conhecidas - Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos - descrita numa carta a Adolfo Casais Monteiro (13 Jan. 1935) – “foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.”



Para cada um destes homens,Fernando Pessoa, inventou uma biografia, um horóscopo ( não nos esqueçamos que Fernando Pessoa tinha muitos conhecimentos de astrologia a ponto de ser referido pelo mago inglês Aleister Crowley como “o maior astrólogo do mundo”), um retrato físico e desenhou as suas diferentes características intelectuais e ideológicas.

Alberto Caeiro “o Mestre” louro, de pele muito branca, olhos azuis de criança que não têm medo, nasceu em Lisboa, viveu no Ribatejo e morreu cedo. O mais simples de todos, a sua vida foram os seus poemas. É o poeta das sensações. E do objectivismo absoluto.
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“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...”

(Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII" 13-3-1914)

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“Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”

(Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos” 7-11-1915)



Ricardo Reis nasceu no Porto, frequentou um colégio de jesuitas, é médico embora não exercesse e viveu parte da sua vida no Brasil. É o heterónimo que mais se aproxima de Pessoa quer no aspecto físico - magro, moreno, encurvado – quer na maneira de pensar. Simples na concepção da vida e sereno na aceitação das coisa Ricardo Reis procura no epicurismo e nos poetas latinos a sua forma de expressão.
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“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada coisa a Lua toda
Brilha, porque alta vive”

(“Odes” de Ricardo Reis, 14-2-1933)



Álvaro de Campos é engenheiro. Torna-se discípulo de Caeiro mas afasta-se da sua doutrina ao aproximar-se dos movimentos modernistas. Nele encontramos a ânsia de sentir tudo e todas as maneiras. Nele encontramos a desilusão e o cansaço.
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Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Álvaro de Campos,”Tabacaria”, 15-1-1928 )


Quer se ame ou odeie, admire ou abomine, exalte ou critique é impossível ficar indiferente a este homem que um dia escreveu “ não sei se sou feliz, nem se desejo sê-lo”

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