terça-feira, 16 de agosto de 2011

quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão…Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo…e tudo errou…
– Ai a dor de ser–quase, dor sem fim… -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol – vejo-as serradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol – eu fora brasa,
Um pouco mais de azul – eu fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Mário de Sá-Carneiro in Dispersão

[porque este poema me foi recordado por dois amigos quase simultaneamente e porque tenho amigos a quem não falta um golpe de asa]

2 comentários:

  1. Que diría Fernando de Pessoa cuando leyó por primera vez estos hermosos versos que has escrito? :)

    Gracias por presentarme un poeta nuevo. Perdona mi ignorancia, pero solo conocía a Francisco de Sá Carneiro y claro, no se parecen en nada.

    Como eu desejo a que ali vai na rua,
    Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
    Como eu quisera emmaranhá-la nua,
    Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

    Mário de Sá-Carneiro; (fragmento)

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  2. :) Mário de Sá Carneiro era um espírito atormentado...quiçá mais do que o próprio Pessoa. Fazia parte, juntamente com Pessoa e Almada Negreiros, da geração de Orpheu...dos que não queriam olhar para trás...

    besitos

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