quarta-feira, 28 de abril de 2010
Ítaca
Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportas,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quantos possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Constantin Cavafy
segunda-feira, 26 de abril de 2010
violeta
A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda.
Dizem que se esconde por modéstia. Não é.
Esconde-se para poder captar o próprio segredo.
Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque.
Não grita nunca o seu perfume.
Violeta diz levezas que não se podem dizer.
Clarisse Lispector
domingo, 25 de abril de 2010
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
Sophia de Mello Breyner
sexta-feira, 23 de abril de 2010
sob o signo de Gémeos num país Peixes: bem-vindos à dualidade
Doze signos do céu o Sol percorre,
E, renovando o curso, nasce e morre
Nos horizontes do que contemplamos.
Tudo em nós é o ponto de onde estamos.
Ficções da nossa mesma consciência,
Jazemos o instinto e a ciência.
E o sol parado nunca percorreu
Os doze signos que não há no céu.
Fernando Pessoa
Cerca de 400 Astrólogos e estudantes reúnem-se de 12 a 15 de Maio, no Estoril, para participarem no XXVII Congresso Ibérico de Astrologia, o maior evento astrológico jamais realizado em Portugal. Sediado no Centro de Congressos do Estoril, o evento apresenta 45 conferências e 5 workshops, iniciativas realizadas por astrólogos de várias nacionalidades, todos reconhecidos profissionais, investigadores e autores nesta área.
Vinte seis anos de Congressos Ibéricos de Astrologia comprovam a sólida implantação da investigação astrológica na sociedade actual. Depois de 2 ciclos do planeta Júpiter, e mais de duas dezenas de Congressos, continuamos o terceiro ciclo, um ciclo de materialização, que se iniciou há três anos. E finalmente completamos a essência IBÉRICA, já que pela primeira vez o estamos a celebrar em Portugal.
Um caminho longo que se iniciou no ano de 1984 em Madrid, com as I Jornadas Kepler, passou por Castellón, Barcelona, Vizcaya, Alicante, Buitrago, Gijón, Málaga, Poio, Mallorca, Valencia, Jaca, Toledo, Alicante, Villagarcía de Arosa, Nuria, Bilbao, Sevilla, Mallorca, Santander,San Fernando e agora em Portugal no Estoril.
Estão todos convidados. Mais informações aqui
quarta-feira, 21 de abril de 2010
canção de embalar
Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu’inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
domingo, 18 de abril de 2010
metade
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.
Oswaldo Montenegro
sábado, 17 de abril de 2010
quinta-feira, 15 de abril de 2010
pequena homenagem a Bashô
Bashô - Prefiro olhar esta árvore a olhar o templo que fica no vale. Prefiro olhar esta folha a olhar a árvore. E, depois, esta gota de água à folha onde está pousada. Agora pergunto-te: serás capaz de escrever um poema acerca desta gota?
Jovem Poeta - Julgo que sim. Por isso terei que falar da folha, da árvore e do templo.
Bashô - Será preciso? Então, por que não falar também do vale onde se encontra o templo? Nesse vale corre um rio.
Jovem Poeta - E referir-me-ei a esse rio...
Bashô - Talvez seja melhor falares nos seus peixes. São prateados porque é deste modo que neles aparece a sombra. E a sombra desce porque está a anoitecer.
Jovem Poeta - A noite é semelhante às escamas do peixe. Há nelas também um pouco de luz. Os teus ensinamentos ajudam-me tanto... Julgo progredir pouco a pouco, mas seguramente.
Bashô - As escamas... Estás a pensar agora numa folha?
Jovem Poeta - Sim. As gotas de água aparecem nessa folha como se escamas fossem.
Bashô - Mas ainda não disseste o que é preciso dizer acerca da luz e da noite. E de outras coisas. O vulto de alguém que, antes de principiar a madrugada, se encaminha para pescar nesse rio e leva consigo uma lanterna para atrair os peixes. A mulher que, em casa, lhe prepara a primeira refeição. O ruído um pouco abafado das chaleiras. O modo como um e outro se despediram...
Jovem Poeta - Queres com isso dizer que no poema muitas coisas devem ficar devidamente expressas, que ele deve referir-se a tudo?
Bashô - Não é bem isso. O que quero dizer é o contrário. Nele, tudo pode ser dito, desde que se fale apenas de uma gota d'água.
Fernando Guimarães
quarta-feira, 14 de abril de 2010
sábado, 10 de abril de 2010
Cíclades
A claridade frontal do lugar impõe-me a tua presença
O teu nome emerge como se aqui
O negativo que foste de ti se revelasse
Viveste no avesso
Viajante incessante do inverso
Isento de ti próprio
Viúvo de ti próprio
Em Lisboa cenário da vida
E eras o inquilino de um quarto alugado por cima de uma leitaria
O empregado competente de uma casa comercial
O frequentador irónico delicado e cortês dos cafés da Baixa
O visionário discreto dos cafés virados para o Tejo
….
À margem de ti dos outros e da vida
Mantiveste em dia os teus cadernos todos
Com meticulosa exactidão desenhaste os mapas
Das múltiplas navegações da tua ausência __
….
E tinhas muitos rostos
Para que não sendo ninguém dissesses tudo
Viajavas no avesso no inverso no adverso
Porém obstinada eu invoco -- ó dividido --
O instante que te unisse
E celebro a tua chegada às ilhas onde jamais vieste
Estes são os arquipélagos que derivam ao longo do teu rosto
Estes são os rápidos golfinhos da tua alegria
Aqui o enigma que me interroga desde sempre
É mais nu e veemente e por isso te invoco:
"Porque foram quebrados os teus gestos
Quem te cercou de muros e de abismos
Quem derramou no chão os teus segredos"
Invoco-te como se chegasses neste barco
E poisasses os teus pés nas ilhas
E a sua excessiva proximidade te invadisse
Como um rosto amado debruçado sobre ti
No estio deste lugar chamo por ti
Que hibernaste a própria vida como o animal na estação adversa
Que te quiseste distante como quem ante o quadro pr'a melhor ver
[ recua
E quiseste a distância que sofreste
Chamo por ti -- reúno os destroços as ruínas os pedaços --
Porque o mundo estalou como pedreira
E no chão rolam capitéis e braços
Colunas divididas estilhaços
E da ânfora resta o espalhamento de cacos
Perante os quais os deuses se tornam estrangeiros
Porém aqui as deusas cor de trigo
Erguem a longa harpa dos seus dedos
E encantam o sol azul onde te invoco
Onde invoco a palavra impessoal da tua ausência
Como se o teu navio te esperasse em Thasos
Como se Penélope
Nos seus quartos altos
Entre seus cabelos te fiasse
Sophia Mello Breyner Andresen
quinta-feira, 8 de abril de 2010
quarta-feira, 7 de abril de 2010
tatuagens
em cada gesto perdido /em cada ferida que sara
em cada grito da alma
eu sou igual a ti /tu és igual a mim
em cada ferida de alma /em cada grito perdido
em cada gesto que sara
eu sou igual a ti /tu és igual a mim
segunda-feira, 5 de abril de 2010
sábado, 3 de abril de 2010
sexta-feira, 2 de abril de 2010
sem rede
Uma exposição! Onde o que parece ser não é ou por outras palavras o que é se transforma numa outra coisa totalmente nova e inesperada.
Os objectos quotidianos engenhosamente manipulados compõem uma nova forma que provoca em nós um sobressalto, um sorriso, um novo olhar. O título das obras recontextualiza os significados, questiona-nos, estimula o debate.
Este projecto da artista Joana Vasconcelos reune cerca de trinta e cinco obras dos últimos quinze anos. Encontramos aqui o seu olhar sobre a condiçao feminina nas obras A Noiva, Coração Independente, Cinderela … e tantas mais. Uma oportunidade para conhecer ou redescobrir o seu trabalho.
Imperdível!
Em Lisboa. Hoje cheia de sol.
Néctar
Sofá Aspirina
(madeira e blister de aspirina)
Contaminação
(Croché, retalhos tecidos)