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Tereza, és tu?
Oiço essa voz familiar debruçada no corrimão do 2º andar. Sim sou eu, Vó, respondo enquanto subo os degraus de madeira desta casa antiga que me conhece tão bem.
Todas as quartas-feiras visito a minha avó. Chego depois do trabalho, enrosco-me no sofá que conserva o molde do meu corpo de criança e fico ali em conversas soltas. Como estão todos, estás tão magrinha filha, trabalhas tanto, vai falando sem esperar resposta. Às vezes trago trabalho atrasado e não falamos. Fica sentada à varanda sobre a rua movimentada a ver os carros e as pessoas passarem. O canário e a velha nespereira completam o quadro que vejo quando levanto o olhar do que faço. Esta nespereira surgiu miraculosamente duma semente deixada cair ao acaso num pequeno vaso. Cresceu e todos os anos dá flor e fruto para espanto de todos. Flores lindas e perfumadas e três ou cinco nêsperas doces que deixam água na boca.
A casa da minha avó, em Novembro, tem o cheiro da flor da nespereira. Sobre que escreves tu neta, pergunta de quando em vez. Sobre tudo e sobre nada respondo. Escrevo-me. Vejo a perplexidade no seu olhar cor de mel mas oiço a sua doce voz dizer, entendo. Aprendi com a minha avó a arte de entender. E a de aceitar. Aceitar o que não tem explicação ainda e entender o que não posso mudar.
Hoje estou sozinha nesta casa. O silêncio ecoa nas paredes. As memórias vão e vêm. É quarta-feira. A rua continua movimentada. Carros e pessoas continuam a passar. Trago os meus cadernos, sento-me a escrever. Olho para a janela.
Há dez Outonos que a minha avó não vê florir a nespereira.